A Torá está repleta de mitzvot (mandamentos) para as quais há recompensa (bênçãos) ligadas a seu cumprimento, bem como castigo (maldições) ligadas a seu descumprimento. Esse é o caso de uma das promessas feitas por Deus a Abraão, a qual costumo me referir como lei da bênção e da maldição, e está ligada diretamente à forma como lidamos com Israel e seu povo. Essa é uma lei que, como qualquer outra lei divina, tem sido cumprida ao longo de milênios sobre indivíduos, povos e nações, porém, nem sempre percebida com clareza.
Séculos antes da Torá, ao chamar Abraão para deixar sua terra, em Ur dos caldeus, Deus lhe faz uma promessa com consequências diretas e eternas para todos os que se relacionassem consigo e sua semente ao longo da história. “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (Gênesis 12:3). Esta é a lei da bênção e da maldição. É simples e direta, não há meio termo nem cabem questionamentos do tipo “mas se...”.
Abençoe Abraão e sua semente, e você será abençoado. Amaldiçoe-o e será amaldiçoado. Essa é uma lei divina e, como as demais, deve ser vista com o temor a Deus que lhe é devido. É imutável e válida para hoje. Há fartura de exemplos de seu cumprimento na história e, recentemente, o mundo testemunhou tal lei em ação sobre a Argentina.
Um histórico desfavorável
Em fins do século XIX até o início do século XX, a Argentina passou por uma transformação econômica que a tornou um dos países mais desenvolvidos do mundo. Nesse período, conhecido como Belle Époque, atingiu a paridade da renda per capita com os Estados Unidos e uma prosperidade tal que superava países de primeiro mundo como França, Alemanha, Itália e Espanha. Às vésperas da Primeira Guerra, estava entre os dez países com maior PIB per capita.
Logo após o fim da Segunda Guerra, em 1947, por ocasião da assembleia geral das Nações Unidas que decidiu sobre a criação do novo Estado de Israel na Resolução 181, a Argentina preferiu se abster de votar, diferentemente de outros países latino-americanos que votaram a favor como Brasil, Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala e Uruguai, entre outros. Em decisões importantes como essa, não há espaço para neutralidade. Aprendemos com Yeshua que nosso falar deve ser sim, sim; e não, não, pois o que passa disso é de procedência maligna (Mt. 5:37). Logo, dizer-se neutro ou se abster de decidir equivale a fazer a vontade do maligno. A posição “em cima do muro” pertence ao inimigo de nossas almas. Não foi assim que fomos instruídos a agir.
A votação a favor ganhou e permitiu o renascimento de Israel como Estado no ano seguinte. O mundo começava a se recuperar da Grande Depressão e dos efeitos catastróficos da guerra. E é nesse contexto de retomada do crescimento econômico que a situação argentina apenas piora nas décadas que se seguem. A abstenção da votação crítica naquela assembleia geral teve um peso espiritual crucial para a Argentina, impactando-a de modo negativo, como se pode avaliar em sua história nas décadas subsequentes. A bênção que alcançara o país no início do século agora o abandonava à sua própria sorte. E o fator Israel tinha tudo a ver com isso.
Na realidade, em sua história, a Argentina tem se mostrado hostil ao povo judeu que tem sido vítima de antissemitismo e xenofobia, embora seja o país da América Latina com a maior população de judeus e a sexta comunidade judaica do mundo. A consequência dessas ações sofridas pelos judeus voltou na forma de maldição sobre a Argentina nos últimos 80 anos. Esse é um exemplo claro de como um país com um passado glorioso pode mergulhar em uma espiral descendente, durante décadas a fio, experimentando inclusive uma guerra em que foi derrotado (Falklands em 1982), e tendo atingido uma inflação de mais de 200% no último ano, a maior após a hiperinflação de 1990. Isso é o cumprimento da lei de Deus contida na promessa de Gênesis 12:3.
Alinhando-se à Palavra
O novo presidente, Javier Milei, logo após vencer as eleições, consciente ou não da lei da bênção e da maldição, pareceu disposto a mudar essa realidade de seu país. Logo após assumir o mandato, afirmou que sua primeira visita internacional seria para Israel, mesmo em meio à guerra contra o Hamas, deixando transparecer que uma de suas prioridades nas relações exteriores seria apoiar e fortalecer os laços com o Estado judeu. De fato, ele cumpriu sua promessa e visitou o país entre os dias 6 e 8 de fevereiro.
Não apenas isso, mas foi o primeiro presidente latino-americano a visitar o país após os terríveis atentados de 7 de outubro. Logo após seu desembarque, quando foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, demonstrou apoio incondicional a Israel pela agressão sofrida e pelo direito de autodefesa de seu povo. Classificou o Hamas como grupo terrorista, ao contrário de muitos presidentes que preferiram se calar covardemente. Afirmou também sua intenção de mudar a embaixada argentina para Jerusalém em um gesto de reconhecimento que esta é a capital indivisível do Estado judeu. Sua visita ao Kotel (muro) foi bem emotiva, algo raro para chefes de Estado que visitam o local oficialmente.
Ele foi recebido com entusiasmo pelo primeiro-ministro Netanyahu e também visitou o kibbutz Nir Oz, um dos vários kibbutzim destruídos pelos terroristas do Hamas, ao sul do país, onde ficou visivelmente comovido, expressando em todo tempo solidariedade aos familiares das vítimas dos crimes hediondos ali cometidos. Sua atitude foi muito bem acolhida por todos os líderes de Israel, tanto do governo como da oposição, bem como pelo povo em geral, em um tempo em que o antissemitismo tem crescido em escala assustadora no rastro dos ataques terroristas de 7 de outubro. Isso requer coragem, determinação e fé para se posicionar do lado correto, alinhado à Palavra e às promessas de Deus.
Da maldição à bênção
Apenas quatro dias após sua visita histórica, no dia 12 de fevereiro, tropas especiais das Forças de Defesa de Israel executaram uma operação de alto risco, fundamentada em informações de inteligência e que obteve sucesso, na cidade de Rafah, onde resgataram dois reféns após acirrados combates contra terroristas. E os dois eram judeus nascidos na Argentina!
Dos 136 reféns, somente dois puderam ser resgatados, após 129 dias de guerra, e ambos eram argentinos — um milagre inesperado. Qual a probabilidade disso ocorrer, considerando a visita do presidente argentino quatro dias antes? Não se trata de uma ocorrência aleatória, mas do cumprimento fiel da Palavra de Deus, liberando a lei da bênção sobre a Argentina. Parece que estamos testemunhando o início da transição da maldição para a bênção na vida de uma nação.
Sua atitude mostra quão importante é o papel de um líder de uma nação e do impacto que suas ações têm nos desdobramentos do destino de seu povo. Pouco importa o partido ou a ideologia política de Milei. Tampouco importa a escola de economia da qual é adepto ou das medidas governamentais e dos discursos políticos que fizer. Também nada tem a ver com a religião que professa. Tem a ver com abençoar ou amaldiçoar Israel e, em consequência disso, ser abençoado ou amaldiçoado. É o princípio imutável da Palavra, o cumprimento da lei da bênção e da maldição. O resgate dos reféns argentinos é apenas mais uma prova da viva Palavra do Eterno. Assim, esperamos e oramos para que a bênção do Senhor permaneça sobre a Argentina.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br