O agrupamento de certas leis ou eventos em uma parashá [porção semanal da Torá] é indicativo de que uma ideia ou mensagem comum está sendo expressa por esta alocação. A parashá desta semana começa com o censo que foi realizado no deserto. Como é proibido contar os judeus através da numeração, o povo foi solicitado a contribuir com meio shekel [unidade monetária utilizada em Israel] cada, que foi posteriormente computado, permitindo assim que o censo fosse concluído de acordo com a Halachá [conjunto de leis e preceitos que regem a vida religiosa e cotidiana do povo judeu]. A terminologia utilizada para o censo é “Ki Tisa”, que significa literalmente “quando você eleva”. O que há de edificante na noção de ser contado?
A Torá então registra a construção e função da pia que ficava no Pátio do Mishkan [Tabernáculo]. Esta grande bacia de cobre foi colocada sobre um suporte, cheia de água e usada pelos Kohanim [sacerdotes] para lavar as mãos e os pés antes de realizar o Serviço (Ex 30:17). As duas parashiot [plural de parashá] anteriores tratam da construção e funcionamento dos Vasos Sagrados. Por que a Torá adia a menção da pia e sua base até a parashá desta semana?
O capítulo termina com Moshe [Moisés] sendo instruído a formular o composto de especiarias necessárias para ungir os Kohanim, o Mishkan e os Vasos e os “Ketoret” – “incenso”, um composto separado, composto de especiarias aromáticas para serem queimados duas vezes ao dia no Altar de Ouro (Ex 30:34-38). A construção do Altar Dourado está registrada na parashá de semanas anteriores (Ex 30:1-10). Por que a Torá separa a formulação dos Ketoret da construção do Altar Dourado? Qual é o fio condutor entre todas as atividades da parashá desta semana?
A Torá registra onze ingredientes que eram oferecidos no Altar Dourado duas vezes ao dia. Entre as especiarias listadas está o gálbano, que possui um aroma desagradável (Ex 30:34). Disto o Talmud [coleção central de textos judaicos que contém a base da lei e da tradição judaica] deriva que uma comunidade é obrigada a incluir pecadores em suas orações (Querisos 6b). Esta é a fonte do costume amplamente aceito instituído pelo Rabino Meir de Rothenberg de que antes do início do serviço do Yom Kippur [Dia do Perdão no judaísmo, considerado o dia mais sagrado do ano judaico], uma declaração formal é proclamada permitindo que todos os pecadores se juntem a nós em oração (Veja a introdução à oração Ma’ariv). Que insights podem ser obtidos desse requisito?
Este censo, o primeiro realizado pelo povo judeu, reflete a noção de que havíamos alcançado a massa crítica necessária para sermos definidos como uma comunidade. Ser contados como uma comunidade significava que tínhamos sido elevados de indivíduos que necessitavam de infraestruturas e sistemas de apoio de outros, para uma unidade autossuficiente com a capacidade de manter a sua própria identidade e garantir a sua sobrevivência e continuidade. Enquanto as duas parshiot anteriores tratam da construção do Mishkan em nosso meio, a Parashá Ki Tisa aborda o fato de nos tornarmos uma comunidade.
Embora muitos dos vasos contivessem cobre que foi doado pela população em geral, a Torá identifica especificamente que a pia foi feita exclusivamente a partir de espelhos de cobre polido contribuídos pelas mulheres (Ex 37:8). Moshe estava relutante em aceitar esses espelhos, considerando inapropriado construir um vaso sagrado com itens usados para provocar luxúria, mas Hashem [O Nome, em referência a Deus] revelou a Moshe que eram esses mesmos espelhos que eram fundamentais para garantir a sobrevivência do povo judeu.
Regressando do trabalho árduo que lhes foi infligido pelos seus capatazes egípcios, os homens judeus estavam demasiado exaustos para se envolverem em relações conjugais. Temendo pela sobrevivência da nação, as mulheres usaram estes espelhos para se tornarem desejosas aos olhos dos seus maridos, garantindo assim a continuidade do povo judeu. Portanto, Hashem disse a Moshe que não pode haver uma contribuição mais adequada para a pia (Veja Rashi ibid, Tanchuma Pekudei 9). Todos os outros presentes são registrados como sendo dados individualmente, mas os espelhos foram dados em grupo, “asher tzavu” – “aqueles reunidos”, pois foram dados com um senso de comunidade (Ex 37:7).
Estas mulheres que compreenderam a importância de garantir a sobrevivência da nação judaica ofereceram as suas contribuições com a mesma sensibilidade comunitária. A pia, portanto, representa a importância de preservar a continuidade judaica e simboliza os esforços necessários para permitir a formação da vida comunitária judaica. Consequentemente, a sua construção aparece nas Parasha Ki Tisa e não juntamente com a construção dos outros Vasos Sagrados.
Incluir o fétido gálbano nos Ketoret define para nós os requisitos de uma comunidade. Uma comunidade judaica só pode ser chamada de comunidade se não houver nenhum segmento excluído. Como comunidade, temos a responsabilidade de nos concentrarmos nas necessidades e no bem-estar de cada indivíduo, e não apenas daqueles que partilham ideologias e interesses comuns conosco. Se nos segmentarmos e nos polarizarmos, passaremos de uma comunidade a um culto. É, portanto, um pré-requisito na véspera do Yom Kippur, antes de recebermos a nossa expiação comunitária, declarar que estamos reunidos para orar com todos os membros da comunidade judaica, sem que nenhum seja excluído. A exclusão de qualquer membro impedir-nos-ia de receber as dispensas especiais de expiação que são concedidas exclusivamente a uma comunidade.
Enquanto a pia representa os aspectos sociológicos da comunidade, como a continuidade judaica e a autopreservação, o Ketoret reflete a maneira pela qual os indivíduos da comunidade devem se relacionar uns com os outros. Tanto a pia quanto os Ketoret estão registrados em Ki Tisa, a parashá na qual somos contados como uma comunidade, pois representam os elementos integrais que contribuem e definem a comunidade judaica.
Tradução: Mário Moreno.
Mário Moreno é fundador e líder do Ministério Profético Shema Israel e da Congregação Judaico Messiânica Shema Israel na cidade de Votorantim. Escritor, autor de diversas obras, tradutor da Brit Hadasha – Novo Testamento e conferencista atuando na área de Restauração da Noiva.